O Poder da Leitura

Leitura. Eis um assunto cuja anunciação pode produzir atração ou repulsa.

Aos leitores devotados, tudo o que se refere a livros é valioso e digno de atenção. Às vezes, até de adoração. Já, para quem não percebe sentido no ato de ler. Para eles, ler é quase um sacrifício.

E que motivos nos dividem, de forma tão marcante, quanto ao gosto pela leitura, entre leitores e não-leitores?

Se enxergarmos a leitura como o ato mecânico de decifrar sinais, a resposta é simples: ler exige concentração de esforço e foco. Nos faz permanecer em posição corporal fixa. Além disso, ler força-nos a pensar de forma mais ordenada e elaborada. Outro aspecto a considerar é que um mesmo texto não produz a mesma reação. Os hábitos e o nível de compreensão vai produzir expectativas e julgamentos diferentes entre os leitores.

Além dos desafios clássicos, a formação de leitores sofre os efeitos da cibercultura: o livro é um suporte sem os apelos de sonoridade e movimento, mas disputa espaço com textos de suportes eletrônicos capazes de proporcionar múltiplos estímulos ao leitor. Mas, se ampliarmos nosso olhar, identificaremos a leitura como apropriação do mundo, seja cultural, estética ou espiritual e então é mais  difícil compreender a razão da dificuldade na formação de mais e mais regulares leitores.

Ler é recomeçar. Clarice Lispector dizia que a leitura tem sentido inaugural. Ela tinha razão. No ato de ler há sempre um  descerrar de véus para o que antes parecia destituído de significados. O erudito  francês  Michel de Certeau afirmava que ‘O leitor é um caçador que percorre terras alheias’. E a leitura é realmente desbravamento. Seja ela de natureza técnica ou ficcional.

Toda leitura encerra um quê de invasão e mistério. O que se esconde ao final da página? E do capítulo? E o mais incrível é que quando desvelamos a informação que estava lá, esperando para ser lida, descobrimos, também, que o mundo já não é mais o mesmo. A realidade surge com nuances que antes não eram percebidas.

Ler é uma das formas mais rápidas e eficazes de mudarmos a nós e à realidade. Cada vez que fechamos um livro pela última vez, nos despedimos de quem éramos quando o abrimos.  A cada livro lido somos alguém com mais filtros para pensar a realidade e mais perspectivas para colorir o mundo.

Mas, fazer exortações sobre a essencialidade da leitura pode não ser muito eficaz para  demonstrar que todo esforço de crescimento pessoal e profissional não pode prescindir de um programa de leituras regulares e pertinentes.  As pessoas  gostam de realizar atividades que  lhes tragam benefícios palpáveis e se possível, imediatos. Por isso, geralmente, quando se convida alguém para incrementar seus hábitos de leitura, ouvimos argumentos que  trazem implícita a seguinte pergunta:

E o que a leitura pode fazer por mim?

Sem pretensão de trazer respostas prontas, vamos refletir sobre esses benefícios?

As  faculdades desenvolvidas  na leitura são transferíveis. Isso significa que quando lê, você aprimora habilidades que serão utilizadas em outras áreas de atuação: a organização de ideias tende a ficar mais elaborada, a comunicação torna-se expressiva e há maior consistência ao argumentar. A criticidade  expressa-se de forma pertinente.  E todas essas competências não são valiosas em qualquer área de atuação ou convivência?

É importante lembrar que o bom estudante e o grande leitor têm benefícios intercambiáveis. Uma pessoa que lê regularmente tende a ter maior facilidade para compreender e fixar de forma mais eficaz e com menos esforço o que estuda. A leitura convida ao estudo. Um bom caminho para formar bons estudantes é começar formando pequenos leitores. Lendo, vamos aprendendo a noção de esforço sem ansiedades e tiramos da solidão e  do silêncio, a concentração e não, necessariamente, o tédio .

A despeito de todos os benefícios práticos da leitura, talvez seja sua dimensão estética, como ação sensível e de prazer que dê grandeza ao ato de ler. E o que nos faz viver a leitura como experiência de sensibilidade e descoberta de nós e do mundo é a forma como compreendemos seu alcance para transformar-nos em alguém maior do que somos.  Acredito que a leitura  funcione como aquelas palavras mágicas pronunciadas pelos super-heróis para se revestirem de poderes  super-humanos.

Nada de espadas, capas, anéis mágicos ou palavras proféticas. Sabe o que nos iça e nos confere capacidade de compreender e usufruir a realidade, o mundo e o que somos? O livro.

Relatos de infância, mostram que personalidades humanas notáveis descobriram o poder mágico dos livros muito precocemente. No conto: Felicidade Clandestina, Clarice Lispector refere-se ao livro Reinações de Narizinho ‘como um livro pra ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o’. Para ela um livro é o amor pelo mundo. Jean Paul Sartre conta que menino, vagabundeava pela biblioteca de seu avô e “dava assalto à sabedoria humana. Foi ela (a biblioteca) quem me fez’.

A  leitura não substitui as experiências humanas capazes de forjar nosso espírito e caráter, mas é experiência de  apropriação da compreensão ampla da realidade. O ato de ler é como o abrir de portais para mundos de significados e possibilidades.

No livro  A menina que roubava livros, uma pequena judia utiliza livros como mapas para guiar sua existência numa Alemanha infectada pelo nazismo. A sede de conhecimento deu propósito à sua vida marcada pela fome e por interrogações inatingíveis para uma criança. De certa forma, os que apreendem o sentido da leitura são movidos pelo mesmo propósito, descobrir significados, desvendar os mapas da condição humana nos mundos que criamos.

Publicado por

Liduina Benigno

Psicóloga, escritora. Parte de inquietações comuns sobre formação profissional e autoaperfeiçoamento humano.

2 comentários em “O Poder da Leitura”

  1. Lidu, reflexões muito precisas, como de costume! Parabéns. Para mim, a grande mágica do livro é não ter vídeos e áudios e provocar nossa mente a preencher todos os espaços provocados pela leitura; isso torna nossa mente irremediavelmente mais ampla a cada desafio!

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