É Preciso Ler?

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As ideias não nascem do vazio

‘Eu realmente preciso ler?’

Já ouvi muito essa pergunta. E, pasmem, até de alunos de cursos de pós-graduação.

Certa vez, um rapaz que acabara de concluir a graduação, confessou jamais haver lido um único livro. Perguntado sobre como cumprira a lista de leituras exigidas no vestibular, respondeu-me que havia lido resumos emprestados de uma colega.

O exemplo é desolador quanto às possibilidades de construção de formações profissionais sólidas e confiáveis, mas o fato é que há estudantes que não consideram a leitura, mesmo remotamente, uma atividade necessária.

E o mais angustiante é o fato de tal realidade ser mais corriqueira do que se possa imaginar. Continuar lendo É Preciso Ler?

O poder das paixões

Annabel Sleeping, obra de Lucien Freud.
Não ignorar o que nos afeta

As paixões impactam a forma como reagimos à realidade, daí, o profundo interesse que a temática desperta entre leigos e estudiosos do comportamento humano.

É comum associar à palavra paixão, somente os sentimentos envolvidos no amor-romance em que os amantes se querem loucamente e vão, contra tudo e todos, vivendo um intenso romance. Romeu e Julieta, Tristão e Isolda são histórias que exemplificam esse amor ao estilo ‘até às últimas consequências’.

Entretanto, a palavra paixão tem sentido mais amplo, uma vez que pode nomear múltiplos tipos de manifestações emocionais e sentimentais.
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Os livros que tememos…

Às vezes, nos fechamos à leitura de certos livros...
Às vezes, nos fechamos à leitura de certos livros …

Quem nunca sentiu certo frio na barriga (ou seria nos olhos?) diante de uma prateleira na qual tenha se deparado com um ‘gigante’ da Literatura Universal?

Quem, numa biblioteca, jamais refreou a mão que se dirigia aos monumentos da Filosofia, num ataque súbito de insegurança, por receio de não ser um leitor à altura daquela obra?

Cada pessoa tem seus desejos e necessidades de estudos.

Entretanto, mesmo quando nos referimos à pauta pessoal de leitura, há dois fatos incontestáveis. Primeiro é que existem livros indispensáveis à nossa formação. Segundo, é impossível pensar em  aquisição do gosto pelo estudo que não passe pelo hábito de ler.

Então, dado o incontestável valor do estudo e da leitura para o nosso preparo, o  que nos leva, muitas vezes, a firmar resistência quando se trata da leitura de determinados livros?

A resposta à questão passa por um pensar mais detalhado sobre os fenômenos envoltos nessa resistência.

A cada um de nós, o livro se apresenta com atmosfera própria que lhe atribui certa aura. E é essa aura que nos leva a vê-lo como ímã  atraindo inexoravelmente a atenção ou como um ser detentor de sortilégio repulsivo, levando-nos a eliminá-lo como provável leitura.

E, talvez, seja pelo fato de essas resistências estarem ligadas a crenças, às vezes ilógicas, que para muitos de nós, é difícil se embrenhar nas páginas do livro ‘temido’.

E esse fenômeno é mais generalizado do que se pensa.

Não são poucos escritores, cientistas e até filósofos que relataram  resistência a certas obras. E pelo mesmo motivo. Eles atribuíam valor tão elevado às obras ou aos autores, que isso repercutia nas suas próprias crenças como pessoas capazes de  ‘dar conta’ da leitura.

O fato é que essas obras lhes pareciam intransponíveis. Seja pelo valor do autor; seja pelo volume de páginas; ou pela complexidade do conteúdo ou  textura  elaborada de sua redação.

E não há um tipo específico de livro que possa ser classificado como sendo ‘intransponível’. Contudo, os livros clássicos nas áreas de ciência, literatura e filosofia costumam ser os mais atingidos pelo fenômeno. A própria denominação ‘clássico’ traz um peso.

Trazendo exemplos dos efeitos desse fenômeno à nossa formação profissional, é possível constatar que: há advogados que jamais leram Montesquieu; psicólogos e psiquiatras que deixaram os volumes da coleção de Freud comendo poeira na estante; professores que nunca ‘ousaram’ ler as obras de Paulo Freire e Piaget; teólogos que ‘exorcizaram’ (desculpe o trocadilho infame) a leitura dos próprios livros religiosos e, até cientistas políticos que cassaram obras como A República (Platão) ou o Leviatã (Hobbes)  de seus regimes de estudo.

Os exemplos acima, apesar de arbitrários, podem se encaixar na realidade de muitos profissionais que, vítimas desse ‘temor’, deixam leituras obrigatórias à margem de seu processo formativo.

E qual seria o antídoto para esse fenômeno?

O fato é que não há panaceias. Mas, é possível deixar de lado o receio das dificuldades de compreensão e adotar disposição de ânimo curiosa e firme para virar a chave da mudança de hábitos. Só assim será possível, por mãos à obra na caça ao tesouro do saber. 

Algumas dicas podem ajudar.

Preferir edições que tragam elementos de contextualização da obra e do autor: apresentação, prefácio, notas explicativas. E iniciar a leitura, sempre, por esses elementos.

Ter em mãos (ou às vistas) bons dicionários.

Se possível, convidar um parceiro de leitura ou ler sob a supervisão de alguém que possa elucidar pensamentos mais complexos ou fazer uma exegese da obra.

Na continuidade, é desvendar segredos, extrair preciosidades e crescer na capacidade de leitura. Depois da primeira vez, se necessário, leia novamente. Alguns autores e obras existem para serem relidos.

Mas, nada se compara à primeira vez. Ela tem gosto de mistério e descoberta.

A leitura dá as asas que tornam o livro um anjo com missão própria.

Refletir é preciso

Imersos em que ilusões?
Imersos em que ilusões?

A reflexão é o exame apurado e não ansioso visando o conhecimento da base de nossas ações. É o dobrar-se sobre si para pensar as próprias ideias e daí extrair informações que nos ajudem a desenvolver consciência sobre como, porque e para que pensamos e agimos.

Mas, apesar do valor da reflexão e da recompensa quase óbvia para o crescimento de quem a pratica, vivemos imersos em opiniões banais, em visões superficiais alimentadas por ideias costumeiras e opiniões não revistas.

O fato é que vivemos num mundo marcado pela irreflexão.

O filósofo Antonin Sertillanges atribuía grande peso à reflexão e defendia que o ato de refletir funciona como um filtro em que a verdade deposita seu melhor conteúdo.

Sertillanges dizia da necessidade de que cada um fosse capaz de ‘aprender a confrontar o que se apresenta aos olhos com visões que ultrapassem as ideias costumeiras, sob pena de se tornar um espírito banal.’

Filósofos e psicólogos dizem que as ações refletem nossa capacidade de pensar e o nível de consciência que temos da realidade. Para eles, fora do círculo da reflexão, mergulhamos na ilusão ou ficamos ilhados no conhecimento incompleto ou superficial.

Não é que se pretenda eliminar o valor das ilusões. Todos nós precisamos de algum nível de crença intuitiva sobre a vida; precisamos criar imagens inspiradoras que suavizem as arestas da existência.

A questão é que muitos vivemos imersos na rotina, no costume, no preconceito ou na emoção momentânea e por isso, agimos e firmamos posições, movidos pelo imediatismo, pelo deslumbramento ou pela rejeição.

E nesse quadro, a irreflexão, em seu típico reducionismo, alimenta pensamentos, ações e afetos empobrecidos, portanto, vividos pela metade.

Vivemos esquecidos de que pelo esforço reflexivo superamos visões rasas, desvelamos cortinas que ofuscam a capacidade de discernir e julgar de modo criterioso. Pagamos um alto preço. O empobrecimento de nosso potencial e em consequência de nossas ações.

E não são as ações que vão definindo o próprio destino?

A palavra destino é carregada de significados míticos, suscita receios e seduções. Pensamos no destino como algo alienado de nós mesmos, como fruto da sincronicidade própria do aleatório da sorte ou da magia dos sortilégios.

Ocorre que o destino é construção cotidiana, portanto, a melhor sorte prefere visitar aqueles cujas ações são iluminadas pelo ato da reflexão.

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Qual a substância de nossas escolhas, pensamentos e ações?

O que fazemos com o nosso rancor? O que ele faz com a gente? e as mágoas

Iluminar a casa dos sentimentos com a luminária do perdão.
Iluminar a casa dos sentimentos com a luminária do perdão.

Cuidamos da nossa imagem social. Queremos produzir emoções  positivas no nosso círculo de convivência.

Com essa finalidade, procuramos usar trajes que nos identifiquem com signos de novidade e aceitação social. Com o lar não é diferente. É natural receber amigos cuidando para dar à casa um bonito e renovado visual.

Mas, e quanto aos  sentimentos? Cuidamos das vestimentas dos afetos? Tiramos o pó acumulado sobre velhos julgamentos? Iluminamos o recôndito da  alma com a luminária da compreensão? Enfeitamos relações com a beleza da empatia? Enfim, atualizamos sentimentos?

Atualizar sentimentos traz incontáveis benefícios à saúde e alarga a porta que leva à felicidade; renova visões, oxigena ideias, reconstrói afetos, propicia autoconhecimento e transformações.

Mas, se é assim, por que é difícil revisitar as emoções que ditam relacionamentos? Como ignorar que julgamentos condicionam pensamentos e ações? Por que não fazer uma apreciação renovada dos vínculos, sejam de atração ou aversão?

Deve parecer estranho falar em laços, quando tratamos de emoções aversivas. Mas o fato é que estamos ligados afetivamente a todos com quem nos relacionamos. Seja pelas emoções de amor ou seus opostos, cada um é parte de uma teia emocional. E, não raro, investimos muita energia em prejuízo da expressão de afetos positivos

A mágoa e o isolamento amargo são ervas daninhas da vida emocional; o rancor diminui a franqueza espontânea. São afetos que deflagram atitudes hostis e produzem relações empobrecidas.

Há pessoas que se vendo impotentes para expelir a raiva, projetam hostilidades contra si mesmas. E há os que não explicitam raivas arraigadas que se manifestam em doenças somáticas (dores de cabeça, pruridos, psoríases) e outros escapes de hostilidades represadas.

E de onde vem o estoque de rancor? Os rancores têm origem em mágoas mal resolvidas; ressentimentos não considerados. Ignorar emoções é inútil, pois sua vocação natural é se expressar. De um jeito ou de outro.

Por essa razão é preciso refletir, entrar em contato com as próprias emoções para integrá-las de forma consciente a ações e reações.

No texto, Inibições, Sintomas e Ansiedade, Freud diz que ‘alguns afetos evocam reações tão inapropriadas que se chocam com o movimento natural do desenvolvimento humano’. Talvez possamos dizer que o ressentimento persistente  tem esse efeito.

O filósofo clínico Lou Marinoff  diz que devemos ser protagonistas e não, coadjuvantes da vida emocional. Ele afirma que uma pessoa pode nos ofender, mas se a ofensa se transformará em dano, é decisão pessoal. Segundo o filósofo, a ofensa vem do outro, mas  é a força atribuída a ela que a transforma em dano para seu alvo

Ainda na visão de Lou Marinoff, há um fenômeno psicológico denominado reciprocidade negativa de julgamento e intenções, que está na base do ressentimento persistente. O mecanismo atua assim: pessoas com baixa tolerância à frustração e suscetíveis ao julgamento social tendem a julgar e reagir à presença do outro, conforme seu nível de autoexigência.

É um círculo vicioso: pessoas críticas e intolerantes com as falhas alheias esperam reciprocidade no julgamento (rigor), portanto, além de reagirem mal a críticas, têm dificuldades de expressar sentimentos quanto a críticas recebidas. Isso favorece o ressentimento que se transforma em rancor.

O rancor é uma emoção autorreferente. Explico. O rancoroso sente raiva  continuamente e sofre os efeitos nocivos dessa corrente emocional. É possível afirmar que o rancor é uma agressão contínua e silenciosa a si próprio.

O psicólogo social Leonard Berkowitz diz que as agressões mal sucedidas intensificam a raiva, daí é possível afirmar que o rancor é um comportamento que se alimenta continuamente.

E como escapar desse circuito emocional que pode condenar relações? Os psicólogos apontam a compreensão dos próprios sentimentos como o primeiro passo. E orientam o reexame dos critérios de julgamentos ao firmarmos antipatias e simpatias nas relações.

É preciso atentar para o peso de atitudes para estabelecer bom ou mau clima relacional e para fixar a percepção alheia positiva quanto ao nível de bem-estar emocional que nossa presença exprime.

Aristóteles, um dos sábios gregos, ensinava que para afastar o ressentimento e semear boas relações é preciso fazer esforço para enxergar o outro como ‘um outro eu’. Para ele, a superação da inimizade pede piedade e solicitude. Na compreensão filosófica de Aristóteles, para romper a corrente de afetos maléficos, é preciso dar o primeiro passo e agir almejando grandes sentimentos e sendo dignos deles.

Para o pensador francês René Descartes, somente a generosidade leva à grandeza das relações. Assim, a superação do rancor só é possível quando o julgamento da ação alheia preza pelos valores humanos que julgamos caros a nós mesmos.

Então, para uma existência menos tóxica, fica um convite à faxina dos sentimentos ruins.

 Reconstruir o sentido de comunidade humana ...

Reconstruir o sentido de comunidade humana …